34. Calor, Quilómetros e Arepas

Dormiu-se bem e quando acordámos estava um lindo dia lá fora. Ajeitámos tudo e fomos tomar um parco pequeno-almoço na sala de refeições do barco...

Felizmente, pelo andar das coisas parecia que desta vez não haveria atrasos e chegaríamos a Espanha durante a manhã.

Na ida deixámos as nossas coisas no camarote e fomos aguardar no bar que o navio fizesse a aproximação ao porto, o problema é que esta malta começa a fazer limpezas aos camarotes ainda o barco está no mar. Assim, desta vez trouxemos todos os nossos pertences até ao bar, que é pelos vistos o que todos fazem. Fica por ali um amontado de gente e malas a aguardar umas boas duas horas até que finalmente seja autorizada a descida ao porão, ou seja a garagem.

Primeiro descemos nós, o pessoal das motas… São as primeiras que entram e as primeiras que saem… Já estavam desamarradas e após uma verificação rápida, estava tudo em ordem...
Meter a tralha nas malas, capacete na cabeça, luvas e vamos embora daqui! A coisa processa-se muito rápido, num instante o pessoal está na rua. Saímos do porto como entrámos: sem qualquer problema ou verificação policial. Em pouco tempo estávamos a sair de Barcelona pela via rápida. Logo que pudemos parámos numa pequena localidade para abastecer e olear corrente. E depois foram umas quantas horas de acelerador aberto para alcançar os arredores de Madrid

Autovia A2 - Espanha

Aqui o cruise-control é um mimo, é como na playstation… A velocidade fixada aparece no mostrador digital e vai-se controlando com os botões para cima e para baixo ao gosto do freguês.

Comandos do cruise-control

À medida que nos aproximávamos do meio-dia o calor também ia chegando… Eu já tinha o blusão e as calças todos arejados, mas mesmo assim estava uma brasa dos raios!

Logo de início descartámos a possibilidade de fazer Barcelona/Lisboa de uma só virada. Primeiro, porque a hora de saída do barco não é certa, depois porque a vontade de fazer 1 milhar de quilómetros (logo depois de 5) não é muita e sobretudo porque é também perigoso: o corpo vai moído, a cabeça também e o cansaço torna-nos forçosamente desatentos… No fim de contas, mais um dia faz toda a diferença para um regresso tranquilo. Posto isto, teríamos de fazer uma paragem mais ou menos a meio do caminho. Madrid pareceu-nos a opção mais lógica, mas depois há a confusão e o preço das estadias que nos obrigaria a ficar mais longe do centro, e dificilmente com pachorra para passear até lá. Também tínhamos decidido não fazer o regresso pela A5 que liga Madrid a Badajoz e que é uma seca tremenda.

Já se tinha falado no passado num passeiozito a Segóvia, que fica a Norte de Madrid. Eu estive lá precisamente há um ano e achei aquilo giríssimo, de modo que achámos que não seria mau por lá ficar. Mas depois de varrermos as ofertas de estadia por ali desistimos da ideia: ou muito caro, ou afastado do centro… Olhando para o mapa acabei por encontrar Manzanares El Real que nos pareceu a todos uma boa opção.

Manzanares localiza-se numa serra a Norte de Madrid. Está a 50 quilómetros da capital, fora da confusão e dos circuitos turísticos. É calminho, agradável e encontrámos por lá um hotel a bom preço. As motas ficariam à porta do hotel, mas sem problema, aqui não se passa nada... Até lá chegar ainda tínhamos uns bons quilómetros de autovias pela frente. Já fiz uns quantos quilómetros por estas vias rápidas espanholas e globalmente acho a maioria detestável. São cómodas, seguras e gratuitas, certo… mas tão aborrecidas que dói o fundo da alma… E não se trata de uma atitude patriótica de defender o que é nosso. É claro que prefiro autovias gratuitas a autoestradas pagas! Mas bolas, em termos de cenário acho as nossas autoestradas são bem mais agradáveis… Podendo, em Espanha eu prefiro circular por nacionais. O que não era o caso. A distância era longa e o tempo escasso, o que não nos deixou grande margem para criatividade. Pior ainda, lá pelas 11 e picos estava-se a levantar um calorzinho do raios-ta-parta… naquele bocado até Madrid parecia que estávamos a atravessar o deserto: sempre a direito, tudo seco, Sol na pinha com fartura (nem um bocado de sombra) e um bafo de calor nas ventas que afligia… Que sofrimento!

Autovia A2 - Espanha

Pela hora de almoço fizemos uma paragem num daqueles “Comedores” de beira de estrada. Deixámos as motas à sombra de um alpendre e entrámos no restaurante que felizmente estava refrigerado. Convenhamos que ir a rolar de fuças ao vento é parte do gozo de andar de mota, mas com temperaturas assim a condução é muito desagradável…

Restaurante de estação de serviço - Espanha

Lá dentro o ar condicionado estava a bombar forte, e isso deixou-nos logo mais bem-dispostos! O local não tinha muito para contar, um daqueles restaurantes para camionistas e pessoal do trabalho com uma sala de refeições ampla. A empregada era muito alta e bastante simpática. Trouxe-nos a ementa que como é costume não era nada de especial: dois pratos à escolha entre: febras, filetes, calamares, carnes frias e saladas mistas... O típico menu de dois pratos que é servido em quase toda a Espanha. Também não nos podemos queixar muito, geralmente fica em conta e é em boa quantidade, como neste caso. Não ficámos deslumbrados com o chefe, mas ficámos satisfeitos. O café é que enfim, é sempre uma surpresa… Não pedindo um “café solo”, vem sempre um galão para a mesa, e pedindo, é rezar para que não chegue numa almoçadeira de café… Despachámos a coisa rápido, pagámos e seguimos para a torreira. Que choque térmico!... Estava insuportável, e tínhamos ainda pela frente mais umas horas valentes disto…

Já próximo de Madrid tínhamos de fazer uma saída estratégica da autovia para não entrar na autopista e pagar portagem… O GPS fez-nos ali dar uma volta à toa e tivemos de improvisar o caminho. Ao fim de uns quilómetros voltámos a encarreirar no percurso e continuámos por estrada nacional. Mas o calor continuava… Ao fim de um dia inteiro cansados e debaixo de Sol, eu pela parte que me toca já estava farto até à ponta dos corninhos!... Caramba, que os últimos quilómetros custaram horrores! Já não sabia como estar em cima da mota e a sensação de desconforto era total… Não que a Tiger seja desconfortável antes pelo contrário. Mas nestas condições o desgaste é maior e o desconforto chega mais cedo.

E, finalmente chegávamos ao destino, Soto del Real. Um pueblozito banal com um ar pacato, sem muito a dizer. O hotel já tinha uns anos valentes e tinha mais ar de aparthotel que outra coisa. Os quartos eram do tipo duplex e estavam todos lado a lado. Levámos a tralha para o nosso quarto cuja janela dava para as traseiras onde estavam as motas. Acabámos por mudá-las de sítio para ficarem mais perto da janela. Dividimos os aposentos em dois, eu fiquei no piso inferior, o Miguel e o Barradas no de cima. Banhos tomados fomos à rua à procura do que comer. Estávamos numa zona residencial tranquila de modo que fomos andando à procura de um local onde houvesse mais confusão. E encontrámos. Chegámos a umas lojas onde estavam uns três ou quatro bares pegados. O espanhol gosta de cervejas e acepipes, e era precisamente o que havia por aqui. Espreitámos os bares e um deles anunciava arepas. O Miguel conhecia e sugeriu que ficássemos por ali, pareceu-nos bem e com a temperatura que estava ia-nos saber bem sentar na esplanada. O dono do bar era simpático e acolheu-nos logo.

O tipo tinha um jeitão para receber o que convenhamos não é propriamente uma característica dos espanhóis… Ficámos depois a saber que tinha trabalhado na Venezuela, de onde aliás são originárias as tais arepas. O Miguel já nos tinha explicado o que eram: uma espécie de pão tradicional feito à base de milho. É servido como se fosse uma sandes com o recheio que se queira. Mandámos vir uma rodada.

Arepas - Soto del Real, Espanha

Para acompanhar, umas batatas bravas e um "pulpo" à galega de seguida.

Polvo à galega - Soto del Real, Espanha

Souberam bem estes instantes de descompressão… Já a caminho de casa e depois de tantos dias de vadiagem, sentimo-nos realizados e mais ricos: enriquecidos em experiências, imagens, cheiros e sons… Mais vividos…

Miguel, Daniel e Rui - Soto del Real, Espanha

Ainda que por esta altura esteja tudo muito fresco e recente nas nossas cabeças, serão precisos ainda uns dias para digerir tudo isto. A viagem de hoje tinha sido penosa: o stress de desembarcar, a monotonia das autovias e o calor abrasador sentido todo dia. Estávamos bem cansados…

Saciada a fome, regressámos calmamente e sem desvios até ao hotel para uma boa noite de sono…

Amanhã é mais um bocadinho até casa.

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