32. Stélvio acima, Stélvio abaixo

O tempo, esse continuava a nosso favor, um Sol fabuloso. Já estávamos próximos de Itália e dificilmente o tempo mudaria. Isso significava que poderíamos subir o Stélvio nas melhores condições. Decidimos fazer a passagem de Nordeste para Sudoeste que é como recomendam fazer. Sinceramente não sei se será a melhor maneira para quem vai de mota, voltarei mais adiante a este tema… A aproximação à montanha é fabulosa! Do nosso lado esquerdo um vale lindíssimo que se vai avistando quase até ao inicio da subida… E depois chegam os famosos cotovelos: são infernais ou mesmo medonhos… Já fiz cotovelos lixados nos Pirenéus, nos Alpes e até naquela famosa estrada do Col du Turini do Sul de França… Mas estes levam o prémio! A estrada depois da curva é paralela e está desnivelada tipo degrau. O que faz com que no inicio da curva se tenha visibilidade nula para cima. É totalmente às cegas, só temos de não sair da nossa faixa e esperar que não venha ninguém no sentido contrário, isto porque a estrada é tão estreita que um carro e mota lado-a-lado ficam à pele e um autocarro ocupa seguramente toda a largura. E como se sabe este tipo de curva em cotovelo não é o forte das motas, dificilmente se faz sem passar o eixo da via. O Rui seguia a frente e foi liderando a caravana com cautela. Ao inicio do cotovelo parava fora de mão para ficar visível e para conseguir ver algum que viesse de cima. E nestas condições, é assim que se deve fazer. Depois é dosear bem a embraiagem para fazer a curva devagarinho sem perder o equilíbrio e tracção. E atenção estas curvas são obrigatoriamente para fazer em primeira!

Eu confesso que não gosto de “queimar” embraiagem e prefiro controlar só com o acelerador. Mas logo na segunda curva apanhei um cagaço quando o motor se quis calar! Atribuí isso ao modo Sport de condução em que estava a Tiger. É mais nervoso e de extremos. Mudei em andamento para o modo Road (mais convencional) e a coisa resolveu-se. Seguia atrás do Rui e o Miguel atrás de mim. O Rui ia-me dizendo pelo intercomunicador o que via adiante e raras foram as vezes em que não entrei fora-de-mão na curva.

Mesmo antes de chegar ao topo há uma espécie de miradouro sobre esta cobra safada que fizemos montanha acima. Parámos aí uns minutos…



A vista é magnífica e o local grandioso!

A vista do miradouro - Estrada do Stélvio, Itália

Uma dezena de quilómetros disto - Estrada do Stélvio, Itália

Em termos de cenário é capaz de ser um niquito superior ao Grossglockner. Também por aqui muita neve, o que não admira a esta altura. Merece bem uma pose…

Mítico - Passo do Stélvio, Itália

Subimos mais um bocado até ao cimo onde se concentra uma multidão de pessoal das duas rodas.

No topo - Passo do Stélvio, Itália

E claro tinha de ser, uma foto da praxe!

Outra - Passo do Stélvio

Fiquei com a impressão que já se fazia sentir o efeito da altitude. O motor da Tiger parecia estar a queimar com mais dificuldade e eu próprio sentia alguma diferença. Seria isso ou ainda o stress de vir por aí acima apertadinho. Cá em cima não há nada de especial, umas barracas que vendem umas tretas caríssimas para turistas e outra que vende umas sandes e cachorros...

Já tinha lido que o lado Sul é mais pacífico de fazer, nada a ver com os cotovelos que fizemos. Daí ainda a minha dúvida sobre qual o melhor sentido para atravessar o Stélvio de mota. De Sul para Norte faz-se a parte mais complicada com travão e motor, que é mais fácil de gerir que acelerador e embraiagem. Para além do facto, que imagino eu, que virado para baixo se consiga avistar a monumental sequência de curvas. Para cima pouco se aprecia. Mas convém dizer que o lado Sul não é nada de deitar fora. Mais fácil de fazer é também mais variado em paisagem. No inicio fazem-se umas curvas largas no meio da neve que vai desaparecendo à medida que vamos descendo. Depois passa-se ao lado de uma cascata, pena o facto de não haver ali onde parar.

Mais adiante ainda, a descer, apanhámos um Range Rover que ocupava quase a estrada toda. Tivemos de gramá-lo um bom bocado à nossa frente e levar com a fumarola que lhe saía do escape. Passámo-lo um a um. Eu seguia atrás e já só o consegui passar quase quando chegámos lá abaixo. Bom, já rolávamos em Itália… Mas verdadeiramente não se notava grande diferença. A paisagem continuava magnífica, muito verde e até os nomes das aldeias não pareciam muito italianos.

A nossa estadia para hoje estava marcada para a margem do lago de Como numa pequena povoação de nome Dervio. Faltavam uns quantos quilómetros pela frente, feitos maioritariamente por nacionais. Quando chegámos ao vale próximo do lago passámos uma série de túneis que entram montanha adentro. Já falei anteriormente da falta de respeito dos austríacos na estrada, pois esses são uns meninos quando comparados aos italianos. Aqui quase nenhum respeita a sinalização. Andam todos como querem! De maneira que quando entramos nos túneis à velocidade máxima permitida, para eles parecemos uns totós na estrada. É vê-los a ultrapassar acima de 120 em curvas dentro de túneis, na boa… São todos artistas do volante, e polícia nem vê-la. Seguimos ao nosso ritmo, que é o de respeitar a sinalização local. Mas sempre atentos às manobras ousadas destas vedetas. Uma condução um bocado stressante… Depois apanhámos uma recta imensa com algum trânsito, mas com uns bons bocados onde se rolava bem. Eu ia com os dedos em cima da manete do travão, atento a que a qualquer momento se atravessasse à minha frente um tipo vindo das estradas secundárias laterais. Isso mais as ultrapassagem à papo-seco e os encostos à traseira era o suficiente para ficarmos bem tensos e bem atentos.

Adiante o trânsito ficou mais compacto e começámos a furar. Aí os tipos facilitam mas é preciso a mesma cautela para antecipar parvoíces… Finalmente um troço de autoestrada que se fez muito bem depois destes apertos, e começámos a ver o lago circulando pelo lado Este deste. E que avistamento maravilhoso. É como se vês nos postais e nos filmes! Uma extensão de água que mais parece um grande rio, emoldurada por montanhas. Convém referir que é o terceiro maior lago de Itália com uma superfície de 146 quilómetros quadrados, ainda assim cerca de um quarto da área do Balaton que vimos na Hungria. Onde se destaca é na profundidade máxima, uns assustadores 400 metros. Geograficamente forma um Y invertido e nós estávamos a descer pela topo. Fizemos uns poucos quilómetros disto e alcançámos o destino, a povoação de Dervio. Trata-se de um dos muitos conjuntos urbanos que existem ao longo das margens do lago. Outra povoação mais abaixo é Mandello del Lario onde está sediada a mítica Moto Guzzi, mas a isso lá iremos amanhã. Já agora, Lario (ou Lário) é o nome romano original do lago, mas todos o chamam de Como, vai-se lá perceber porquê.

Tínhamos reservado um quarto triplo numa casa de hóspedes com aspecto agradável. O problema foi mesmo dar com ela. Demos ali duas voltas onde nos pareceu ser mais ou menos, mas não demos com nada. Depois mais uma tentativa pelas ruelas e lá conseguimos encontrar o sítio. Atendeu-nos um tipo na faixa dos 30 ou 40 anos muito afável. As casas por aqui são antigas, mas esta tinha sido toda recuperada recentemente. Uma das razões pelo qual escolhemos este sítio foi a disponibilidade de estacionamento privado, o que nos permitiria deixar as motas a pernoitar em segurança. Essa foi uma das preocupações que tivemos durante toda a viagem. Desconhecendo totalmente os locais por onde iríamos passar preferimos sempre largar mais uns euros e deixar as máquinas resguardadas e em segurança. Aqui o estacionamento era ao ar livre mas fechado com portão de ferro e um foco de luz apontado às motas, daqueles que liga com movimento. O espaço era um pequeno terreno a 150 metros da casa pelo que descarregámos as malas à porta de casa e fomos levar as motas até ao terreno.

Parque de estacionamento para as Tigers - Dervio, Itália

Voltámos ao nosso quarto e estávamos todos a precisar de uma banhoca antes de ir à procura do jantar. O quarto não era muito grande, mas todo feito de novo com uma decoração simpática. Havia uma cama de casal e um beliche. A cena dos beliches já nos tínhamos habituados… Íamo-nos revezando. A casa de banho também toda renovada e com bom gosto, era bastante pequena. Havia um duche pequeno de tal maneira que a cortina por vezes parecia um capote nas costas… Mas serviu o propósito que foi refrescar estes corpinhos cansados. Estávamos bem melhor e recompostos para ir procurar a janta... Já a sair da casa perguntámos ao nosso anfitrião o que haveria por ali de comes e bebes. Aparentemente esta gente deita-se cedo, e embora nos tenha dado duas ou três opções ele estava com dúvidas se estariam ainda a servir jantares.

Decidimos descer até às margens do lago e ir à procura de um restaurante que ele nos tinha indicado. Fomos por ali a corta-mato e o local tinha muito bom aspecto: uma povoação pequena com um misto de vivendas e prédios de dois pisos alguns antigos, outros mais recentes e alguns renovados. Não se deve viver nada mal por aqui.

A caminho do lago - Dervio, Itália

Já estava luz-fusco quando chegámos ao lago e já se viam uma centena de luzes do outro lado. Tivemos sorte e encontrámos uma espécie de café ou bar mesmo ali à beira. Estava aberto e servia umas coisas para comer... pizzas, claro. Perguntámos se dava para jantar, pois já praticamente só estávamos nós. Atendeu-nos uma moça num inglês quase perfeito que pelo que percebemos não trabalhava ali mas era uma amiga da gerência. Fez-nos o favor de aceitar o pedido. Para além das pizzas havia uns panados, mas aparentemente apenas um. O Miguel ficou com ele, entre panados e pizzas venha o Diabo e escolha. O local era muito agradável. Um espaço todo envidraçado com uma decoração moderna e virado para o lago. Não demorámos muito a comer e depois ainda fomos até à beira da água, mas pouco ou nada se via por esta altura.

Lago de Como - Dervio, Itália

Não fosse termos um barco para amanhar amanhã e tinha-se aqui tomado o pequeno-almoço com uma pinta do cacete! E precisamente o facto de pouco já se ver e termos de cumprir horário amanhã não nos fez ficar muito tempo ali. Voltámos para cima e de caminho vimos o italiano da casa, andava a passear o cão mais a família. Pelo que percebemos vivia ali perto, mas não na casa onde estávamos, essa serviria apenas para os alugueres. Regressámos ao quarto e ainda estivemos ali a pensar um pouco no dia de amanhã. Não havia grande margem. Descer pelo lago para apanhar a autoestrada e depois seguir por aí a bom ritmo até ao Mediterrâneo, esperando não apanhar muito trânsito de caminho. O barco estava marcado para sair às 13h00 com embarque às 12h00 o que nos dava cerca de 3 horas para fazer os 250 quilómetros até lá… Então vá, xixi e cama!

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